Alguma coisa acontece: achados e perdidos
É fácil se perder. Mas também dá para se achar de vez em quando (ainda bem).
É fácil se perder em São Paulo. Se perder no caminho e não chegar onde precisa, se perder na loucura e correria da semana (mês, semestre, ano…), se perder dos próprios objetivos e querer jogar tudo para o alto. Por outro lado, também dá para se achar em São Paulo. Se achar entre semelhantes, encontrar “achadinhos” e ter ajuda para achar o caminho de volta.
Você (não) chegou ao seu destino
Por Alana Carvalho, editora do @vivasp_cultura
Verdade seja dita: eu não tenho senso de direção e orientação espacial. É sério. Confundo as saídas do metrô na Paulista, erro direita e esquerda quando estou indicando o caminho e, mesmo caminhando com o Google Maps ligado, só percebo que estou indo na direção errada depois de umas três quadras.
Para se ter uma ideia, muitos e muitos anos atrás, numa viagem de campo da escola para o PETAR, durante uma atividade de corrida, eu e outros dois colegas acabamos errando o caminho, que teoricamente estava demarcado, e fomos parar quase que na entrada de uma das cavernas. Sozinhos, sem saber direito como voltar e com o final do dia se aproximando. Os professores e alguns moradores locais tiveram que ir nos resgatar. Essa memória ilustra bem como o meu senso de direção é inexistente.
Avançando no tempo, mas sem chegar no presente ainda, aprendi a dirigir na época em que internet no celular era impensável. Waze, Google Maps e outros apps tão corriqueiros nos dias de hoje eram sonhos distantes. Ainda que na época existia aquele aparelho GPS (pausa para explicação para os novinhos: sim, num passado não tão distante, não se usava gps no celular. Existia um aparelho exclusivamente para isso e que funcionava via satélite) antigo, que quebrava um bom galho vez ou outra. Fato é que, nos meus primeiros anos como motorista na cidade de São Paulo, eu me perdi muito. Muito e fenomenalmente.
Valia de tudo para tentar não se perder, desde inventar referências como aquela caixa d’água ou outdoor no meio do caminho, até contar o número de ruas transversais para saber em qual deveria virar. Se tudo desse errado, o jeito mesmo era parar num posto de gasolina e perguntar… sim, era preciso falar com outro ser humano e não com uma assistente virtual para se localizar. E, claro, tinha que decorar e ter fé de que a orientação passada estava correta! Aliás, um clássico era “amiga, eu decoro a primeira parte da explicação do caminho e você decora a segunda, tá?” e aí, óbvio, que vocês precisavam parar depois de umas ruas e pedir novamente orientações, pois já tinham esquecido de tudo.
Mas, histórias à parte, uma das coisas mais curiosas do meu início de vida como motorista, é que não importava para onde ou de onde eu estava vindo, se eu me perdia, invariavelmente eu terminava na Mooca… Eu morei na zona sul a minha vida inteira, então não fazia sentido eu terminar na Mooca. Mas, independentemente do trajeto ou do horário, eu me via perdida na Mooca. E foram tantas, mas tantas vezes, que em certo momento era quase reconfortante reconhecer que eu estava na Mooca, já que pelo menos eu sabia sair dali e voltar para casa. O famoso e infalível “você só aprende com a prática”!
Me ver na Mooca significava que eu tinha acertado o caminho? Definitivamente não. Mas, ainda que perdida, acabei desenvolvendo mecanismos e estratégias para voltar para casa. Hoje em dia, com o advento e benção do Waze, passo muito menos perrengue quando me perco na cidade e fico muito menos preocupada em encontrar o caminho de outra forma, afinal de contas, os apps estão ali para pensar por mim e me levar de volta para casa. Atualmente, a estratégia de criar mecanismos para me guiar enquanto estou perdida não é mais usada para os trajetos na cidade, mas sim em várias outras áreas da minha vida. A incerteza quanto ao rumo profissional, os meses em dúvida sobre investir ou não naquele relacionamento e por aí vai. A gente precisa seguir, estando perdida ou não.
E consigo dizer com bastante certeza que todos nós temos estratégias próprias para se guiar e continuar em frente enquanto estamos perdidos (podem não ser as estratégias mais saudáveis, mas todos temos). Afinal de contas, sejamos sinceros, ninguém está muito certo do caminho, não é mesmo?
Das pequenas alegrias da vida adulta, o “achadinho” é a maior
Por Vi e Lu do @lgbtrip_
Não tem jeito. A vida adulta chega e as coisas que nos davam alegrias mudam completamente. Bom, pelo menos foi assim com a gente...
Sabe aquelas pequenas alegrias da vida adulta que o Emicida enunciou? Pois então! Ele acabou esquecendo de uma que está no coração de centenas de milhares de pessoas que escolheram São Paulo para viver (ou foram escolhidas): os “achadinhos” da cidade!
Eles estão por toda a parte, espalhados pela capital. E embora a gente ame que pessoas nos indiquem novos achadinhos, o que gostamos mesmo é de encontrar por conta própria. Parece que dá um gostinho diferente, né?! Não que uma indicação de um achadinho não seja gostosa, mas quando é você quem acha o achadinho – e depois indica para uma outra pessoa – é mais gostoso.
É claro que tem lugares que encontramos por aí e que são uma verdadeira decepção. Muitos deles, por sinal, costumam aparecer em nossas telas dezenas de vezes em um mesmo dia, quando estamos rodando pelas redes sociais. É bar secreto para cá, é “descobrimos tal coisa” pra lá.
Mas com um achadinho... um achadinho de verdade... você sempre sai com o coração quentinho. Sabe aquela sensação de entrar em um lugar, sem saber muito bem o que esperar, e ir se encantando aos poucos por tudo? Esses lugares são inconfundíveis e dá pra sentir na voz de quem está contando sobre ele.
Em São Paulo, o bairro que tem mais nos presenteado com achadinhos é o Ipiranga (valeu, @ipirangafeelings!). A gente é meio suspeito pra falar, porque somos apaixonados por lá (e olha que nem moramos no bairro), mas ô lugar gostoso pra se encantar!
Outro dia, entramos em um cantinho que lembra muito casa de vó! Os móveis, a entradinha, os objetos espalhados pelo imóvel. Café Tosto, é o nome. E saímos de lá com o coração quentinho, buchinho cheio e doidos para propagar a palavra desse espaço (aliás, tem spoiler de lá nesse roteiro aqui). Tá aí um achadinho! Viu como é fácil identificá-lo?
Semanas depois entramos num sebo. A gente sentia vontade de passar pela porta de lá desde que a loja era em outro lugar, bem menor. Mas, sabe como é, né? Fomos jogando pra frente, pra frente... Até que ele mudou, a porta aumentou e finalmente entramos. Livros para todo lado, pessoas de todos os tipos, um quintalzinho delícia, cafézinho coado na hora. Saímos de lá como? Com o coração quentinho, bucho cheinho e... o resto vocês já sabem.
Dando uma pausa para uma divagação, vocês já repararam que esses achadinhos dificilmente ficam nos bairros mais modernosos? Geralmente é naquele bairro tradicional, no centro ou naquela região meio hipster, meio paz e amor. Talvez nisso, São Paulo tenha um pouco ainda das cidades pequenas do interior. Porque é quase impossível visitar alguma delas e não encontrar um achadinho. Puxando aqui na memória encontramos um incrível em Paranapiacaba, que me traz na memória a melhor manhã de domingo dos últimos anos. E olha que pra isso precisou apenas de um café e um bolinho caseiro.
No meio disso tudo, sem querer tirar lição de moral, mas já tirando, os achadinhos acabam nos mostrando algo que a vida tá cansada de tentar nos fazer enxergar: que os momentos de felicidade estão, na verdade, nas coisas mais simples. Fazemos sempre projeções tão grandiosas, algumas até inalcançáveis, para tentar atingir a tal felicidade plena, mas os momentos de alegria tão ali na nossa frente. Apenas esperando serem achados.
Por isso, se hoje pudéssemos te dar um único conselho pra você levar pra toda a vida seria: busque achadinhos por aí! E claro: conta para a gente, porque indicar achadinho é compartilhar afeto. <3
Perfil SP:
A cada semana, um pouquinho de SP pelos olhos de quem vive aqui.
Persistir em um projeto, um sonho profissional, por 10 anos entre incontáveis incertezas, além de idas e vindas, não é fácil. Débora Mamber Czeresnia, diretora do documentário Um Samurai em São Paulo, que faz um paralelo entre a história do mestre de karatê Taketo Okuda e a história da própria diretora e aluna do mestre, nos contou como quase perdeu a esperança e desistiu de tudo, mas persistiu. Por ela mesma e pelo sensei Okuda.
“Foram dez anos. Para se fazer um filme é um tempo que acontece muita coisa, né? Foi meu primeiro filme e eu não sabia nada sobre como se fazer um filme. Eu queria fazer o filme bem feito, com equipe, com equipamento, sabe? Eu não queria pegar uma câmera, sair filmando e fazer uma coisa caseira, então eu quis inscrever o projeto na lei do audiovisual. Captar recursos pra fazer e todo esse processo foi muito demorado e foi muito custoso.
Mas nesses dez anos eu fui acompanhando e aprendendo cada vez mais com ele (o mestre Taketo Okuda), entendendo melhor os ensinamentos, tudo que ele tava mostrando significava algo, né? Que não eram só gestos que a gente fazia dentro da academia, que tinha muita coisa além daquilo. E eu acho que eu fui amadurecendo também na minha forma de enxergar o cinema, de contar histórias. Porque eu venho do jornalismo, então a forma de contar é completamente diferente, leva um tempo até você aprender essa nova linguagem.
Foi difícil em muitos momentos, eu ficava ansiosa e queria que o filme saísse, que o filme saísse, que o filme saísse… teve também muitas dificuldades durante o governo Bolsonaro, porque com a paralisação da Ancine a gente ficou dois anos praticamente parados, esperando a liberação de uma verba que a gente tinha ganhado de um edital da SPCine, e isso atrasou bastante a realização do filme. E além de outras dificuldades porque, por exemplo, a gente usou muita imagem de arquivo e uma das principais fontes de imagem de arquivo é a Cinemateca Brasileira. E a Cinemateca ficou fechada durante o governo Bolsonaro. Então a gente não tinha acesso às imagens. Não era possível nem fazer pesquisa…
Mas todas as vezes que eu pensava em desistir, eu pensava que, como era o sensei Okuda, eu não podia (desistir), porque eu tinha dado a minha palavra pra ele de que eu ia fazer. Então eu tinha que fazer, tinha que chegar até o fim. Foi um grande ensinamento. Eu acho que o maior ensinamento de todos foi a resiliência.
E aí, à medida que o filme foi chegando a essa forma de trazer a minha história, de trazer a história da minha avó e cruzar a história dele com a minha, com a da minha família, eu acho que foi dando um amplitude maior. Minha ideia nunca foi fazer um filme sobre karatê para caratecas. Eu queria que fosse algo que interessasse uma audiência maior, até porque, né, fazer um filme com o dinheiro público a gente tem a responsabilidade de fazer uma história que converse com o público. Eu sentia o peso dessa responsabilidade e, é isso, espero ter conseguido.
Quero convidar todo mundo pra ir assistir o filme nos cinema, eu sinto que as pessoas estão perdendo o hábito de ir ao cinema e a experiência de estar no cinema e assistir um filme coletivamente com uma tela grande, um som bom, permite com que a gente vivencie de outra forma a história que tá sendo contada. Que a gente possa ter uma imersão mesmo e, no caso desse filme especificamente, eu acho que isso faz muita diferença, porque tem um aspecto também meditativo da prática. Tem muito silêncio e eu acho que o cinema favorece que a gente possa se aproximar mais dessa história. Convido todo mundo a ir nessa primeira semana de exibição. É muito importante, porque a permanência do filme no cinema depende do interesse do público.”
Débora Mamber Czeresnia é jornalista, roteirista e o documentário Um Samurai em São Paulo é sua estreia na direção.
E fica aqui o nosso reforço: o filme estreou essa semana, então, se puder, vá ao cinema conferir. Assistir na 1ª semana de lançamento faz muita diferença, especialmente no caso do cinema nacional.
Farol Verde
Aquela dose semanal de arte e cultura para achar de volta a alegria e esperança.
🖼️ SP-Arte 2023: A maior feira de arte da América Latina fica aberta para visitas no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, até domingo, 02/04. Apesar de ser um evento focado na venda de obras, tem muita coisa bacana para ver e dá para passar boas horas passeando e vendo arte! Para facilitar a entrada, vale comprar o ingresso pela internet.
🤺 Retrospectiva Tarantino: Para comemorar os 60 anos de Quentin Tarantino, o MIS Jardim Europa faz uma retrospectiva dos filmes do cineasta até domingo, 02/04. Todos os filmes têm entrada GRATUITA, com distribuição de ingressos 1h antes de cada sessão. Programação completa aqui. Aproveite a ida até o MIS para ver também as 2 exposições em cartaz sobre a história do rádio.
🛍️ Leste Europeu em SP: A Feira Cultural Leste Europeia reúne artesanato e gastronomia típicos de 14 países do Leste Europeu na Vila Zelina, bairro vizinho da Vila Prudente. Artesanatos viking, porcelanas ucranianas, comidinhas búlgaras, bebidas lituanas e muito mais. Além disso, com a proximidade da Páscoa, ainda rolam oficinas gratuitas de pintura de ovos temáticos, uma atividade típica do Leste Europeu nessa época do ano. Mais informações na página oficial da feira.
🦯 Exposição no escuro: Uma experiência de diversidade, inclusão e empatia, a exposição Diálogos no Escuro convida a percorrer ambientes completamente no escuro, enquanto você é guiado por uma pessoa com deficiência visual. É transformador e impactante, daquelas experiências que você leva para o resto da vida. Se puder, vá! Fica até dezembro na Unibes Cultural.
Quem procura, acha
A edição da semana ficou longa, mas foi pensada com muito carinho entre os altos e baixos do interminável mês de março.
Se você chegou até aqui, obrigada por nos ler! E, se curtiu as histórias e reflexões, não deixe de recomendar para alguém. Isso nos ajuda demais. <3
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Das dificuldades de se chegar aos lugares antigamente (pior que nem faz tanto tempo assim), dos achadinhos ao "Um samurai em São Paulo" vocês mais uma vez nos trouxeram textos gostosos de ler. Eu sempre fui conhecido por ter muitos caminhos para chegar ao mesmo lugar. O Waze me tirou esse gosto. Hoje sou um aficcionado por sempre usar Waze, até para fazer o mesmo caminho de todo dia, porque sempre pode ter acontecido algo de errado e ele nos indicará isso, mas como era bom se perder e achar novos caminhos. Eu odiava parar e perguntar. Tinha o velho Guia que era o Waze de antigamente. Aí a gente parava, procurava no Guia e seguia em frente, às vezes levando uma bronca de quem estava ali no banco do passageiro, por nunca parar e perguntar. Parabéns e continuem assim.
Entre os achadinhos dispostos nesta edição, o melhor foi o resgate de memórias tão especiais- do GPS antigo, às instruções anotadas minuciosamente em um papel (passa duas ruas, vira à direita na casa laranja, quando ver o segundo farol, vire à esquerda- socorroooooo), passando pelo desespero de te perder no PETAR, e resgatando algumas coisas perdidas como o silêncio do cinema que confesso não vou faz tempo... essa edição deu vontade de sair por aí sem rumo, sem foco, sem hora para voltar. Só disposta a achar aquele quentinho no coração que só um achadinho te traz!