Alguma coisa acontece: memórias e emoções
Memórias individuais e emoções coletivas. Como cada um sente e lembra dos lugares da cidade? Além disso, 3 feirinhas para você conhecer ou ficar de olho em SP.
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🍦 Entre cobras e sorvetes
Por Alana Carvalho, editora do @vivasp_cultura
O sol brilhava forte no céu e fazia o sorvete em minha mão derreter. Uma gota açucarada do picolé de chocolate escorreu para meu pulso antes que eu me desse conta e mamãe se apressou em dizer:
— Lambe, lambe, lambe! Vai sujar sua roupa.
Atenta à missão de encontrar as cobras nos grandes habitats à minha frente (quando somos pequenos, tudo parece tão grandioso!) e desnorteada pela voz urgente de mamãe, só me dei conta do ocorrido depois que a generosa gota de sorvete de chocolate já tinha ido ao encontro do tecido branco de minha blusa. Ao ver o “estrago” que poderia ter sido evitado, não fosse o meu encantamento por tudo ao redor, a única alternativa que me restara era levantar os olhos para mamãe com o típico sorriso das crianças que sabem que aprontaram alguma, mas que tem um quê de fofura que não dá para resistir.
Mamãe deu aquela respirada funda clássica dos adultos e que, agora, ao ser mãe, compreendo e faz parte de cada um dos meus dias. Talvez ela estivesse exausta demais para me dar uma bronca, ou apenas sabia que de nada adiantaria reclamar sobre a mancha de chocolate, já que não haveria outro jeito a não ser resolver o problema ao chegar em casa.
Quanto tempo já havia se passado desde aquele dia! Mamãe, infelizmente, já não está mais entre nós para me acompanhar nas descobertas e missão de encontrar as cobras no Serpentário e, ironia do destino ou não, agora, a mãe a levar a filha para um passeio no Instituto Butantan sou eu. Em um piscar de olhos, a realidade bate forte em mim e volto a prestar atenção no caminho à minha frente. Freio o carro no farol e, ao fundo, escuto as vozinhas estridentes do desenho animado que Alice está assistindo no celular no banco de trás.
Aproveito a breve pausa para olhar para ela, sentada na cadeirinha de segurança com o celular na mão. Será que a vontade repentina de levá-la para conhecer o Instituto Butantan fora realmente uma estratégia para entreter a criança num dia de sol e tirá-la da frente da televisão ou fora a minha necessidade e nostalgia em reviver um dia do qual me lembro com tanto carinho, num surto de saudade de mamãe?
Me pergunto se Alice, no auge de seus 4 anos, vai se encantar da mesma forma que me encantei ao ver as cobras do Serpentário pela 1ª vez, mais de 25 anos atrás. Hoje em dia é tão difícil tentar adivinhar o que vai despertar o interesse das crianças fora das telas, que, por via das dúvidas, programei nossa visita para o mesmo horário da atividade “Mão na Cobra”, que permite que as crianças e adultos toquem uma cobra de verdade. Se observar as cobras e serpentes de longe não for o suficiente para entreter uma criança de 4 anos, a aposta é que a chance de tocar uma cobra de verdade me coloque no ranking da semana de “Mãe Mais Legal”.
Alice tira os olhos do desenho animado quando o carro diminui a velocidade para passar pelo grande portão verde com a inscrição “Instituto Butantan”. Estacionamos o carro e, logo, estamos caminhando pelos canteiros com grama até o Serpentário.
Alice olha tudo com um pouco de desconfiança, sem entender muito bem qual o objetivo do passeio repentino. Ao chegar na área do Serpentário com sua mureta e vidro de proteção, a pego no colo para que possa enxergar melhor a reprodução dos habitats na nossa frente. Lanço o desafio: tem cobras escondidas por ali e precisamos encontrá-las!
Começamos nossa busca, de início muito enérgica, mas a animação logo se esvai à medida que os minutos passam e não avistamos nada… Malditas cobras! Nem para ajudar uma mãe com sua filha! O pânico e o desespero pelo passeio perdido começam a tomar conta de mim, até que:
— Mãaaaaae, olha lá!!!!
Vejo os olhos de Alice brilhando e o dedinho apontado para o galho de uma árvore, no qual uma cobra repousa, se camuflando ao tronco. Alice se solta do meu colo e sai animada em busca de novas cobras escondidas.
— Gostam de se esconder, essas cobras! - Escuto a vozinha determinada de Alice, enquanto ela dá a volta no Serpentário.
Meu coração bate aliviado e respiro mais calma, olhando ao redor e retornando, momentaneamente, à minha própria lembrança. Ao longe, perto do Museu Biológico, avisto um carrinho de sorvete. Aperto o olho para garantir que não estou enxergando coisa que não existe. Seria possível ser o mesmo carrinho de sorvete e o vendedor de tantos e tantos anos atrás? Acaso do destino ou ilusão da minha mente traiçoeira, sorrio com a feliz coincidência de encontrar um carrinho de sorvete.
— Filha, a mamãe quer um sorvete. Você quer também?
O sorriso da menina já diz tudo. Pronto, agora o passeio está completo.
*Crônica ficcional, inspirada em uma memória compartilhada via DM por uma seguidora do Viva SP | Cultura em 2020.
👀 Perfil SP:
A cada semana, um pouquinho de SP pelos olhos de quem vive aqui.
“Bom, esse trabalho com as emoções e as cores começou quando eu pintava na rua, em espaços que as pessoas utilizam muito no dia a dia. Eu me interesso muito por pintar em lugares diversos, ir conhecer esses lugares e, a partir do que eu sinto ali, eu decido o que vai ser colocado na pintura.
Tem lugares que eu me sinto à vontade para pintar com o vermelho, tem lugares em que eu me sinto à vontade para pintar com o azul e lugares que eu me sinto à vontade para usar o preto e branco. Isso é uma linguagem pessoal que eu fui exercitando e que acabou virando um código de cores, digamos assim.
(...) A maior parte dos lugares que eu venho pintando de vermelho são lugares que tem grande circulação de pessoas, como pontos de ônibus, por exemplo. Bancos, praças, coisas assim nesse sentido. A minha ideia, como trabalho de uma maneira geral, é representar o imaterial que tá ali naquele lugar e, no caso do vermelho, representa essas emoções diárias que fazem a gente se movimentar, fazem a gente levantar da cama todo dia.
E aí enfim, tudo isso, junto com coisas que foram faladas pra mim durante o processo de produção na rua, porque as pessoas sempre vem conversar quando estou pintando na rua, seja para dizer um ‘bom dia’, um ‘ah tá ficando legal isso aí’… e eu fui encontrando sintonia em cada coisa e exercitando através desse código de imagens que tá sempre no vermelho, então formou um quadro, um mapa emocional de cada lugar da cidade.”
Vitor Zanini é um artista multidisciplinar, que utiliza o desenho e a animação como meio de expressão. Você pode acompanhá-lo em sua página no Instagram @vitorzanini e também aproveitar para conhecer seu ateliê aberto no Shopping Light e conferir de perto o trabalho sobre as emoções que acompanham o cotidiano de quem vive em São Paulo. As visitas podem ser feitas no ateliê aberto, no Shopping Light, até 5 de junho, das 11h às 17h.
🚦 Farol Verde
Sua dose semanal de arte e cultura para inspirar o final de semana.
🧀 Feira Sabor Nacional: Nesse fim de semana, 3 e 4/06, a Cinemateca Brasileira recebe mais uma edição da Feira Sabor Nacional. Serão dois dias de festa junina com cerca de 90 pequenos produtores, praça de alimentação, exibição de filmes, oficina infantil e música ao vivo! A entrada custa R$10 (inteira) e R$5 (meia).
🏮 Kurafuto - Feira Nipo-brasileira Contemporânea: A Kurafuto acontece nesse fim de semana, 3 e 4/06, no Pavilhão Japonês, dentro do Parque Ibirapuera. A feira nipo-brasileira reúne comida, música, moda, arte e cervejas da @japascervejaria. A entrada custa R$7 e crianças até 4 anos não pagam.
🛍️ Feira do Leste Europeu: Gastronomia artesanal autêntica dos países do leste europeu, artesanato típico e ainda apresentações temáticas! Um pedacinho do Leste Europeu aqui mesmo em São Paulo, na Vila Prudente. A próxima edição da Feira do Leste Europeu acontece no domingo, 04/06, das 10h às 17, e a entrada é GRATUITA.
Até mais!
Edição mais curtinha essa semana, mas com crônica e memórias para aquecer o coração depois de uma semana fria e turbulenta. <3
Conta para a gente se você curtiu esse formato com crônicas, que a gente tem várias outras guardadinhas por aqui, só esperando seu momento de vir ao mundo! rs
Semana que vem a gente volta com as experiências culturais para ficar de olho em junho em São Paulo e atualizações do nosso Calendário Cultural Mensal!
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As memórias da cidade <3